Ai caímos em um quadro de suposições em que "pode ser" que a Sony não consiga competir com a Microsoft?
Esquece a Sony, não é só sobre ela. O que levou ao bloqueio foi o mercado de jogos em nuvem, mercado este onde eles até identificam a Sony como competidora com a Plus, mas atentam aos fatos de que, hoje, ela só oferece o streaming de jogos mais antigos porque a infraestrutura de nuvem é limitada. Eles citam ainda que a Sony pode ser mais competitiva se expandir seu negócio no futuro, embora tenha desvantagens na infraestrutura de jogos em nuvem. As principais competidoras, hoje, seriam Nvidia e Amazon, significativamente mais fracas que a Microsoft.
Página 212, item 8.79 - (c)
SIE PlayStation Plus. SIE offers cloud gaming as part of the Premium tier of its PlayStation Plus MGS. PlayStation Plus provides access to a large catalogue of games. Its cloud gaming offering, however, is currently limited to older titles, as the cloud infrastructure uses older console hardware. It is only available on PlayStation consoles and Windows PCs.
Página 303, item 8.438
The evidence therefore suggests that the market is relatively concentrated at present. The biggest constraints to Microsoft come from NVIDIA, and Amazon, both of which are significantly weaker than Microsoft. SIE could present a greater constraint in the future as it expands its cloud gaming service, although it has disadvantages on cloud infrastructure.
Mas eles estão supondo um mercado e uma coisa que nem aconteceu ainda ronabs.
Se isso que eles estão falando, estivesse ocorrendo hoje, com a MS controlando e dominando o mercado tradicionais e caminhando para controlar também na nuvem (não sabemos como e quando será essa "ponte") eu concordaria.
Sim, o CMA fala exatamente isso:
- O mercado crescente e dinâmico está em estágios iniciais e existe uma considerável incerteza sobre como irá se desenvolver e quais modelos de negócios irão se tornar padrão;
- Diversas razões levantadas no capítulo 8 (custos de infraestrutura, custo de aquisição de conteúdo por novos participantes, concentração de mercado atual na Microsoft - bem à frente de Nvidia e Amazon) levam a preocupações com a dimunição da concorrência.
Sendo assim, eles admitem que não dá pra prever (nem o CMA, nem outras empresas) com certeza como o mercado vai evoluir sem a fusão, ou com a fusão levando em conta as propostas de concessões da Microsoft. Então, existe um risco inerente: mesmo que a proposta da Microsoft cubra questões existentes hoje, pode não ser aplicável no futuro.
Página 368, item 11.118.
Cloud gaming is an early-stage and growing dynamic market, and there is considerable uncertainty as to how it will develop and what competing business models will emerge. We believe, for the reasons set out in detail in Chapter 8, that foreclosure of Microsoft’s rivals in cloud gaming services may be expected to result in substantial harm to competition in this market. We recognise that we cannot predict with any certainty how exactly the market might evolve absent the Merger (or if the Merger is allowed to proceed on the basis of the Microsoft Cloud Remedy). Neither, in our view, can the Parties or third parties. We consider this represents an inherent specification risk in the Microsoft Cloud Remedy – even if the remedy could be well-specified to cover the current status of the market, it may not be suited to future changes. This means that we cannot have a high degree of confidence that the terms of the remedy would be sufficiently well-specified to address these unpredictable market changes.
Sendo assim, por acreditar que existe o risco de desacordos e conflitos entre as partes surgirem, de uma forma ou de outra, seria preciso certo grau de regulação por parte do CMA. Ao proibir tudo, eles acreditam que permitirão que as forças de mercado sigam operando e moldando o futuro da indústria sem a necessidade de intervenções regulatórias.
Página 6
We also found there were significant risks of disagreement and conflict between Microsoft and cloud gaming service providers, particularly as the market developed. While Microsoft had proposed a dispute resolution system to help manage this, ultimately some degree of regulatory oversight by the CMA would have been required. By contrast, preventing the merger would effectively allow market forces to continue to operate and shape the development of cloud gaming without this regulatory intervention.
Vou dar um exemplo, levando em conta que, pelas citações do CMA que coloquei umas páginas atrás, a Microsoft fez propostas onde as plataformas de serviços concorrentes não receberão nada das vendas de conteúdos in-game da Activision (DLCs, microtransações, expansões, etc.).
Hoje, não existe um consenso de como deve ser o modelo de remuneração das plataformas de jogos por streaming, porque temos muitas distinções entre elas:
- Modelos que oferecem/ofereciam a compra de jogos: Stadia;
- Modelos que oferecem o acesso aos jogos através de uma assinatura: Game Pass, PS+;
- Modelos que oferecem acesso aos jogos através de uma assinatura desde que comprados em outras plataformas: GeForce Now, Nware, que transmitem jogos do Steam, por exemplo.
Em plataformas tradicionais, é padrão a dona ficar com parte de cada transação: 30% no
Xbox, PlayStation, Nintendo, Apple, Google e Valve (essa última diminui o percentual conforme mais vendas acontecem), 12% na Epic e na Microsoft Store, pra ficar em alguns casos. O mercado de streaming é novo, então, não dá pra saber como isso vai ser transportado para ele. Mas, à medida que for se desenvolvendo e mais pessoas forem entrando nessa onda (temos que lembrar que a Microsoft almeja os tais "3 bilhões de jogadores" e ela não vai conseguir alcançar isso vendendo
Xbox ou colocando jogo no Windows), é natural que alguma forma de compensação terá que ser feita - afinal, os serviços estarão oferecendo sua infraestrutura e assinantes para que empresas coloquem seus jogos. Daqui a três anos, começa a surgir um movimento para que 10% fique com a dona do serviço, independente de como o acesso é feito (comprado ali, só transmitido, comprado em outra loja, etc.). E a Microsoft chega bonitona
"epa, peraí, eu tenho aqui X acordos dizendo que eu não preciso pagar nada pra ninguém até 2034". Nesta situação, a Microsoft teria uma vantagem competitiva enorme em relação a qualquer outro concorrente, já que teria embaixo do braço acordos prévios que não levam essas condições em consideração.
Por isso a compra foi negada. Como eles tanto 1) não sabem como o mercado vai se comportar nem 2) se as propostas atuais são suficientes para cobrir eventuais questões futuras, preferem se abster de qualquer regulação no momento para que o próprio mercado vá encontrando o modelo adequado.
Dá para concordar da decisão do CMA, dá para discordar. Eu, particularmente, discordo que o negócio inteiro deva ser impedido apenas por preocupações em relação ao mercado de streaming, e sim uma solução satisfatória poderia ser negociada aí no meio especificamente para este mercado. Mas é uma preocupação válida.